O Estado brasileiro no combate à tortura

15/10/2014

O Estado brasileiro no combate à tortura

Em artigo publicado na terça-feira, dia 14, no jornal O Globo, a Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República SDH/PR), Ideli Salvatti, fala sobre a importância do enfrentamento à tortura. Lei abaixo íntegra do artigo.


O Estado brasileiro no combate à tortura


O governo federal deu um grande passo rumo à consolidação dos direitos humanos no país. Com a instituição do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o Brasil tem agora, pela primeira vez, um dispositivo exclusivo para fiscalização desta prática criminosa em instituições de privação de liberdade, tais como presídios, delegacias de polícia, unidades do sistema socioeducativo, hospitais psiquiátricos, instituições de longa permanência para idosos. Peritos poderão entrar sem aviso prévio nesses espaços, com o intuito de verificar as condições em que as pessoas estão sendo custodiadas, dar visibilidade a violações de direitos e recomendar os ajustes necessários para a eliminação das mesmas, inclusive o afastamento dos responsáveis no período da investigação criminal.

Fruto de acordo firmado pelas principais democracias do mundo com as Nações Unidas, a iniciativa é tão importante que temos recebido o reconhecimento de organizações não governamentais com larga experiência no combate à tortura e que frequentemente apontam violações de direitos no Brasil. Recentemente, a Human Rights Watch, que monitora a ocorrência deste crime em todo o mundo, divulgou relatório em que destaca a criação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o retorno do Brasil ao Conselho de Direitos Humanos da ONU e a crescente influência do país para a “resolução de casos de violação de direitos fundamentais”.

A formação econômica, política e cultural brasileira se deu a partir de uma série de violações de direitos: o genocídio dos povos indígenas, mais de três séculos de escravidão, as ditaduras do século XX. O resultado disso é que, apesar de se tratar de um crime contra a Humanidade, muitos brasileiros ainda encaram a tortura como algo “natural” ou como um “mal necessário”, seja para obter informações, para punir, para calar, amedrontar.

É a violência como exercício de poder que se apresenta não só nas instituições, mas também no cotidiano: “só se aprende assim, apanhando”, “briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, “estupra, mas não mata”, “um tapinha não dói”, “bandido bom é bandido morto”.

Existe ainda um recorte bastante nítido entre as vítimas de violação de direitos humanos. Segundo dados apresentados ao Fórum Nacional da Juventude, 70% das mortes por homicídio em 2010 foram de pessoas negras. A tortura, que prolifera nos estabelecimentos de privação de liberdade e se espalha pela sociedade como um câncer, atinge uma população de baixa renda, com ensino fundamental incompleto e idade entre 18 e 29 anos.

Durante a redemocratização, tivemos a constituição da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e, mais recentemente, a Comissão Nacional da Verdade como instrumentos paradigmáticos para a elucidação das graves violações de direitos humanos no período da ditadura civil-militar.

A implantação, agora, do Sistema Nacional, a posse dada aos membros do Comitê Nacional pela presidente Dilma e a criação do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura — os peritos — é a continuação dos esforços do Estado brasileiro para a erradicação deste crime hediondo e a garantia da preservação da integridade das pessoas sob custódia.

Mas para complementar e reforçar a rede de enfrentamento à tortura é absolutamente necessário e urgente que o Congresso aprove duas matérias. O projeto de lei (PL) 554, que determina que o preso em flagrante seja apresentado a um juiz dentro de 24 horas, e o PL 4471, sobre autos de resistência, que trata das mortes em decorrência de confronto policial. São iniciativas legislativas essenciais ao fortalecimento do processo democrático.

Tortura é crime. É crime hediondo. Tem de ser combatida, eliminada e punida.

(*) Ideli Salvatti é ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

Fonte: http://www.sdh.gov.br